sábado, 5 de dezembro de 2009

Tipicamente Português

Antes de mais, peço desculpa a algum colega meu que não partilhe da mesma opinião. Devo também sublinhar que esta mensagem reflecte a minha opinião e não publico este artigo pelo Grupo de Arqueologia do Porto. Trata-se apenas de um desabafo de Arqueólogo!

Fui informado ha coisa de dias da triste decisão da autarquia de Matosinhos de demolir, para construir imóveis de habitação, centro de ciências e tecnologias e hotel, duas das mais emblemáticas fábricas de conserva de Matosinhos, e mesmo do Norte Português, a Algarve Exportador e a Rainha do Sado. Com uma fachada tipo "Português Suave", fachada simbólica do Império Português contemporâneo as fábricas reflectem as tendências dos anos 20 do século passado. É com terrível pesar que escrevo isto, pois para mim, são fábricas de uma estéticidade única. De facto revelam novas tendências arquitectónicas que galgavam a Europa durante a altura, por exemplo o uso extensivo e intensivo de janelas, que permite a escorrência de luz natural, de modo a tornar o horário laboral mais agradável. Vivemos numa época em que os edifícios, mesmo monumentalmente grandes, por vezes obscenamente grandes (peço desculpa pelo termo) seguem a tendência de "despersonalização" (uns puderão chamar-lhe simplistas). A verdade é que, em vez de se seguir uma trama harmoniosa, sem grandes cantos aguçados, sem paredes radicalmente fincadas e abundantes elementos que suavizam o edifício (como é o caso das Fábricas em Questão). Não, estes novos edifícios tentam quebrar ao máximos as tendências tradicionais e chocar o individuo com alçados e plantas pouco comuns (quanto mais chocante melhor). A casa da musica ou a recentemente construída sede da vodafone exibem um bloco granítico alto, com algumas janelas de facto, mas com um aspecto que desafia a lógica. Os cálculos podem estar muito perfeitos, mas a verdade é que já ouvi muita gente que é de opinião que, são construções pavorosas. Alem de que chocam com arquitecturas tradicionais, no Porto principalmente Vitorianas e Neo-Clássicas. Foi grande o meu choque quando li que o Senhor Siza Vieira era a favor da demolição (que grande choque mesmo).  A diplomacia não me permite falar muito mais, pois corria o risco de ser rotulado de difamador. Que se queiram fazer edifícios de aspecto moderno, tudo muito bem. Mas por amor de Deus, respeite-se o património Histórico, porque mesmo um local não sendo assinalado como tal, deve-se ponderar realmente o que fazer com ele. A verdade é que recuperando as fábricas (pelos vistos não apareceu nenhuma entidade interessada, o que seria fácil de resolver com alguns incentivos da câmara) não só Matosinhos teria um aspecto mais aberto (o que não terá com o previsível monstro de vários andares que será projectado) como aos olhos dos portugueses (e da comunidade estrangeira) seria um memorial a épocas passadas (muito do propósito arqueológico é esse mesmo, o de recordar e não abafar). Mas enfim, vozes de burro não chegam ao céu. Como já disse, isto é uma opinião pessoal (o que nestes dias é sempre arriscado), gostaria de ter noção de quantas pessoas pensam de maneira semelhante. Será de mim? Talvez...

Gostaria de ter posto imagens, mas, tão esquecidas as fábricas devem estar que nem mesmo na internet consegui achar fotografias.

3 comentários:

  1. Essa do Siza ser a favor da demolição do edifício da Algarve Exportador é uma história mal contada. O que ele colocou foi a seguinte alternativa: ou se reabilita devidamente o edifício de acordo com a sua traça original ou então mais valia substitui-lo por outra coisa. O que ele achou desaconselhável era uma solução tipo "pastiche" com mistura de elementos originais numa construção nova. A decisão ficou para quem tem a competência para o efeito.

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  2. Os Senhores da Câmara de Matosinhos perderam a vergonha. Abriram todas as portas á especulação. A Câmara já defendia os interesses da construção civil, agora que se fez uma aliança do PS com o PSD criou-se o BLOCO CENTRAL DOS INTERESSES E DOS TACHOS. Os primeiros resultados começam-se a sentir-se

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  3. A questão, André, não é o que fazer ao património que se desfaz mas sim o que o fazer ao património que não se desfaz. Não basta querer. É preciso capacidade para justificar as apostas. E a verdade é que o poder político e as populações não querem investir em património, preferem bailes e comícios.

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