terça-feira, 3 de novembro de 2009

A HISTÓRIA DE UMA ESPADA

(PALESTRA DE FRANCISCO DE ALMEIDA GARRETT NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE INICIATIVAS DO GAP, REALIZADA NA PASSADA 2.ª FEIRA NA FLUP)

Muito boa tarde a todos, o meu nome é Francisco de Almeida Garrett.
Queria começar por dizer-vos que não sou arqueólogo, nem teólogo, nem filósofo, nem físico.
Sou um homem vulgar que recebeu um convite muito simpático e ao qual se não pôde furtar.
Está esclarecido o primeiro mistério: sou apenas um amigo do Eugénio Queirós, o que não é pouco, seguramente, mas que não justifica a minha presença aqui e muito menos os cartazes espalhados por esta Faculdade.
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Passemos ao segundo mistério...
Alguém que, como eu, se atreve a dirigir uma prédica sobre DEUS sem ter qualquer reconhecimento académico para o efeito, será provavelmente um eriçado ATEU ou, então, um grande homem de FÉ.
Mas não. Não sou ATEU. E também não sou um homem de FÉ.
A FÉ não raciocina, não investiga, não descobre NADA.
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Encurtando razões, sou alguém que defende, à luz da RAZÃO, e não da FÉ, que DEUS existe.
E igualmente existe, no meu entendimento, uma relação da arqueologia com DEUS.
Tentarei pô-la a nu, apelando aos vossos conhecimentos, à vossa imaginação, bem como a Jean Guitton.
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Imaginem-se numa intervenção arqueológica.
E suponham que, nessa intervenção, vocês encontram uma espada de ferro das legiões romanas (o famoso GLÁDIO) e determinam que essa espada tem 2050 anos.
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É uma espada muito antiga, 2050 anos é muito tempo!
E, todavia, estamos ainda bem longe de saber a história da espada ou, pelo menos, do material que a compõe: o ferro.
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Donde proveio o ferro que tomou a forma de espada?
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Se tentarmos refazer a HISTÓRIA DOS ÁTOMOS daquele ferro, entramos na história invisível da espada, sobre a qual nunca meditamos.
A espada, já o sabemos, obteve a sua forma há 2050 anos, mas uns tempos antes estava incorporada, sob a forma de minério bruto, no interior de uma rocha, da qual foi decantada.
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A questão que se segue é a de saber há quanto tempo é que o minério bruto estava incorporado na rocha?
E a resposta é: Seguramente desde que existe o planeta Terra!
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E o planeta Terra existe há quanto tempo?
Estima-se que há quatro mil milhões e meio de anos.
... Portanto, pela história dos seus átomos, a espada das legiões romanas que vocês encontraram não tem, afinal, 2050 anos, mas um pouco mais: quatro mil milhões e meio de anos.
É muito tempo.
...
E já terá chegado ao fim a nossa investigação?
Ainda não.
Antes de existir o planeta Terra, muitos antes, muitos milhões de anos antes, aquela espada existia sob a forma de átomos de ferro perdidos numa NUVEM DE MATÉRIA NASCENTE.
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Que nuvem é esta? Qual é a causa desta nuvem?
Muito provavelmente esta nuvem tem na sua génese a explosão de uma estrela ocorrida milhões de anos antes.
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Vejam bem onde é que já vai a vossa espada: numa estrela.
E prossigo.
Bom... e antes de a estrela existir? As estrelas não são eternas.
Desta vez teremos de recuar o máximo possível... teremos de recuar até à origem do universo: há quinze mil milhões de anos, ao “Big Bang”.
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Notem: Estou a dar como certa a teoria do “Big Bang”. Pelo menos por agora, é a melhor que temos.
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Duas palavrinhas sobre a teoria do “Big Bang”...
O “Big Bang”, como sabem, está associado a uma explosão: a explosão original.
Devido ao impulso dessa explosão original, as galáxias expandem-se e afastam-se umas das outras a uma velocidade X, a uma velocidade DETERMINADA, o que permitiu aos físicos, rebobinando o “filme” cósmico, imagem a imagem, determinar o momento preciso em que todo o universo estava concentrado num único ponto microscópico.
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Mas atenção: os físicos não conseguem chegar exactamente ao “TEMPO ZERO”.
Quase chegam lá, mas não o alcançam.
Ficam-se pelos primeiros milésimos de milionésimo de segundo QUE SE SEGUIRAM à explosão.
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Por outras palavras: A física descreve com bastante rigor o que se passou imediatamente A SEGUIR à explosão original, mas é incapaz de dizer o que se passou ANTES desse preciso momento.
Porquê?
Porque não é possível recuar mais, ou seja, não é possível chegar ao “tempo zero”.
... Os primeiros milésimos de milionésimo de segundo QUE SE SEGUIRAM à explosão - concretamente 10/43 segundos - constituem uma barreira intransponível.
A essa barreira os físicos chamam “barreira de Planck”, assim denominada porque o físico alemão Max Planck foi o primeiro a constatar que a ciência não consegue explicar o comportamento dos átomos quando a força da gravidade se torna extrema.
...
Perguntar-me-ão: Mas o que tem DEUS a ver com isto?
Já lá vamos.
Por agora, recapitulemos que a vossa espada, que começou por ter 2050 anos – e parecia muito! -, tem já, afinal, pela história dos seus átomos, 15 mil milhões de anos.
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Aquela espada, aquele GLÁDIO, é, de facto, um objecto que merece ser contemplado.
Atravessou o tempo – eu diria melhor: atravessou TODO o tempo – até chegar às vossas mãos.
...
E mais curioso ainda...
Ainda não chegou ao fim a história da vossa espada.
A vossa espada é ainda mais antiga. É uma verdadeira relíquia cósmica.
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A questão que se nos coloca, agora, é a de saber como poderemos avançar mais na nossa investigação.
Para irmos mais além na investigação sobre a idade da vossa relíquia cósmica, precisamos de saber o que se passou na origem do universo... há 15 mil milhões de anos.
Ou seja: precisamos de superar a “barreira de Planck”.
...
Nós já demos por adquirido que o universo inteiro (incluindo a vossa espada) nasceu de uma explosão que provocou a expansão da matéria que nós observamos.
Mas, concretamente, o que é que explodiu?
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O que explodiu poderá ser definido como uma esfera microscópica, milhões de vezes mais pequena do que um núcleo de átomo, na qual estavam contidas as galáxias, as estrelas, os planetas e até a vossa espada.
Mas donde veio essa esfera? Donde veio a energia que causou a explosão? E donde veio o espaço para o interior do qual se expandiu o universo?
...
Pois é. Os físicos não têm a mais pálida ideia sobre isso.
Para trás da chamada “barreira de Planck”, para trás dos primeiros milésimos de milionésimo de segundo QUE SE SEGUIRAM à explosão, o MISTÉRIO É TOTAL.
Um mistério que os próprios físicos não pensam sequer desvendar um dia.
...
Nem eu, nem vocês, nem ninguém, sabe dizer qual é a verdadeira idade do ferro que compõe a espada das legiões romanas.
Ninguém consegue explicar como é que ela existe e porque é que ela existe.
...
E, NO ENTANTO, algo mais tem de existir para além da “barreira de Planck”.
Vou mais longe: algo tem de existir para além do “TEMPO ZERO”.
Porque supondo que, num dado momento, nada existia, nada poderia existir agora.
...
E existe.
Existe um universo celestial, existe a matéria, existe a vossa espada, existe a vida e – mais importante! - existe a INTELIGÊNCIA e a CONSCIÊNCIA.
...
Podemos apelar à teoria quântica e dizer que a matéria não existe, que tudo isto que nós vemos é uma alucinação, como no sonho, mas não há dúvida de que pensamos.
Pelo menos a inteligência e a consciência existem!
...
Como foi isto possível?
Será legítimo supor a existência de DEUS?
E será possível PROVAR que DEUS existe? Ou que não existe?
...
Chegados a este ponto, teremos necessariamente de definir o que é DEUS e o que é PROVAR.
...
Proponho a seguinte noção de DEUS:
DEUS é o Ser de quem os demais seres recebem a existência, o Ser primeiro, fora do espaço e fora do tempo, espírito dotado de entendimento e de vontade, que é eterno, imutável e que existe por si mesmo, não tendo sido criado por nada.
Repito:
DEUS é o Ser de quem os demais seres recebem a existência, o Ser primeiro, fora do espaço e fora do tempo, espírito dotado de entendimento e de vontade, que é eterno, imutável e que existe por si mesmo, não tendo sido criado por nada.
...
Ora, será possível PROVAR a existência ou a inexistência deste Ser?
...
É certo que DEUS não se vê,
Mas lembrem-se que uma boa parte da realidade humana também não é acessível à observação.
Ou seja: existem forças e entidades que não observamos e que, porém, existem.
Alguns exemplos infantis: o vento, o processo de evolução natural, o sentimento, a força da gravidade, etc..
...
Uma vez definido DEUS, a questão seguinte passa por saber o que é PROVAR e, mais concretamente, o que é PROVAR qualquer coisa a respeito de DEUS.
...
Teremos sempre de arredar deste domínio a chamada PROVA científica. Porque a ciência trabalha com o palpável, com o que se pesquisa empiricamente e com o que pode ser alvo de observação.
Ora, nós já definimos DEUS. DEUS é um ser transcendente, não é uma mera coisa do mundo, pelo que nunca poderia ser observado, encerrado no material da experiência ou ser alvo de investigação laboratorial.
Se DEUS pudesse ser observado, encerrado no material da experiência ou ser alvo de investigação laboratorial, já não seria DEUS.
...
A existência ou inexistência de DEUS é assim uma questão para a qual a ciência é neutra, dado que nem sequer faz parte do seu escopo analítico.
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Eu queria deixar aqui muito claro que a ciência não coloca qualquer obstáculo à demonstração filosófica da existência ou inexistência de DEUS e, pelo contrário, fornece elementos de análise ao pensamento filosófico: a idade provável do universo, a lei da entropia, a ordem do cosmos, os axiomas biológicos, etc.
...
Bom... Mas, então, se nós não podemos PROVAR cientificamente a existência ou a inexistência de DEUS, que tipo de PROVA é que nós buscamos?
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Por PROVA devemos entender a operação mental com que se busca estabelecer a verdade de uma afirmação ou a validade de uma tese com um grau de evidência que exclua a DÚVIDA RAZOÁVEL.
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Reparem que, se aceitássemos apenas a PROVA CABAL, a CERTEZA ABSOLUTA, nem sequer poderíamos afirmar que existiram Moisés, Confúcio, Jesus ou Buda. Porventura nem Napoleão.
E, todavia, não temos hesitações em afirmar que eles existiram. Afirmamo-lo porque estabelecemos certos factos com um grau de evidência que exclui a DÚVIDA RAZOÁVEL.
...
Em suma, se o conhecimento dependesse de CERTEZAS ABSOLUTAS, não valeria a pena estudar História.
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Definido DEUS e definida a PROVA que pretendemos fazer da sua existência ou inexistência, julgo que podemos prosseguir.
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É mais uma viagem. Desta feita uma viagem pela história da filosofia da religião... de que eu faço um esboço muito modesto e sintético no meu livro “Na Senda da Divindade”.
Desde Platão, há 2500 anos, que se fala nas PROVAS da existência de DEUS.
E prossegue ainda hoje, no mundo moderno, o debate sério e rigoroso do ponto de vista intelectual acerca dessas PROVAS, ao contrário do que a generalidade das pessoas possa pensar.
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Vejamos, pois, à luz do critério de PROVA que estabelecemos, os argumentos mais interessantes que na história da filosofia foram sendo apresentados para atestar a existência de DEUS.
Deixarei para o fim aquele que constitui o único argumento digno de registo a favor da inexistência de DEUS.
A tais argumentos, chamarei “PROVAS”.
////// //////
A primeira PROVA de que vos quero falar é a chamada PROVA cosmológica. No fundo, assenta num axioma que se aplica à ciência: “não há efeito sem causa”.
Qualquer coisa tem uma causa, que por sua vez tem uma causa e assim sucessivamente.
Mas há-de haver um ponto final nesse retrocesso, uma causa primária, aquilo que Sócrates, à beira da morte, terá definido como “causa das causas”.
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Todos nós já procuramos a causa de tudo aquilo que não foi obra do homem: o universo, o mundo, a vida, o ferro da vossa espada.
Donde proveio tudo isso?
Já vimos que, para trás da “barreira de Planck”, não pode ter havido um momento de nada absoluto, porque tudo o que começa a existir exige a acção duma realidade já existente que a traga ou conduza à existência.
Vai daí que: ou nada devia existir agora ou temos de confessar que há alguma coisa que não começou a existir mas existiu desde sempre sem ter recebido a existência.
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O que é essa coisa?
Será DEUS?
Será o Ser de quem os demais seres recebem a existência, o Ser primeiro, fora do espaço e fora do tempo, espírito dotado de entendimento e de vontade, que é eterno, imutável e que existe por si mesmo, não tendo sido criado por nada?
Será legítimo supor que um tal Ser potencializou a ocorrência do “Big Bang” e garantiu a partir de então a existência do universo?
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À luz da PROVA cosmológica, tais são as questões que se colocam.
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Mas avancemos.
Esta PROVA cosmológica - assente no axioma “não há efeito sem causa” - deve ser MESCLADA com a chamada PROVA teleológica, a qual, através da observação do universo e do mundo, indica que estes têm muitas semelhanças com um relógio e CONCLUI pela existência de uma inteligência criadora.
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A favor desta segunda PROVA - a PROVA teleológica - está a segunda lei da termodinâmica, que diz que todo o sistema abandonado a si mesmo degenera para a desordem.
E, em vez de desordem, a ordem do universo é de tal magnitude que Newton dizia que do seu telescópio via DEUS a caminhar.
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Há também a questão da VIDA...
As observações geológicas e as experiências biológicas demonstram que o planeta Terra não possuiu sempre seres vivos e que a vida só pode originar-se da vida.
São famosas as experiências de Louis Pasteur. E bem demonstram que todo o ser vivo provém de outro ser vivo.
Todo o ser vivo começa por uma simples célula e toda a célula nasce de outra e noutra, tal é o primeiro axioma biológico.
Uma vez que o mais não pode provir do menos, também a vida não pode provir da matéria inorgânica.
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A investigação científica já documentou o campo infinitamente limitado de condições iniciais adequadas para que se pudesse desenvolver vida no universo. ...
É tão ínfima a possibilidade de o nosso mundo ter criado as condições para a sobrevivência e o desenvolvimento dos seres humanos que é possível concluir que um Ser superior controlou e afinou as condições físicas necessárias ao efeito visível.
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Centremo-nos em nós: seres humanos. E esbocemos aquela que considero ser a terceira grande PROVA a favor da existência de DEUS. Define-se em duas palavras: PROVA moral.
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Nós, seres humanos, chegados ao uso da razão e da reflexão, distinguimos entre o bem e o mal moral e julgamos que devemos evitar o mal e praticar o bem.
Existe um senso comum do que está bem e do que está mal. Jamais alguém pensou, em consciência, que o infanticídio e a tortura de idosos POR PRAZER constituíssem um bem.
E nem a educação, nem a vontade individual, nem as leis humanas podem explicar uma lei tão universal, tão constante, tão indeclinável.
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A moral não é mais do que uma lei universal e racional que impõe a virtude e proíbe a injustiça.
Uma lei. Uma lei superior ao homem, que não consegue ignorá-la, dado que sente os seus efeitos: quando cumpre a lei, sente subir em si a satisfação do dever cumprido; quando a transgride, é acometido de remorsos.
Uma lei eterna e imutável, que não pode provir do mundo físico, nem da natureza humana.
E não sendo concebível uma lei sem legislador, uma obrigação sem autoridade e uma autoridade sem um ser que a exerça, é lícito, uma vez mais, admitir que DEUS existe.
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Uma quarta PROVA a favor da existência de DEUS pode bem chamar-se a PROVA da iluminação divina.
Há no mundo verdades inabaláveis e eternas. Três exemplos: (I) o todo é maior do que a parte, (II) dois mais dois são quatro, e (III) deve ser praticado o bem e evitado o mal.
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Se os homens são finitos e limitados - e são! -, donde provêm estas verdades inabaláveis e eternas?
Se não podem provir das sensações, porque estas são mutáveis e efémeras, nem do espírito humano, que embora profundo é limitado, é lícito admitir que provirão de um Ser e autor eterno.
Trata-se, no fundo, da doutrina de Agostinho de Hipona sobre a iluminação divina: os homens recebem de DEUS, por iluminação, o conhecimento de verdades eternas, cabendo ao intelecto a tarefa de pensar no quadro da ordem natural já estabelecida.
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Quem terá estabelecido esta ordem natural? O “nada” não pode ter sido, porque do nada, nada provém. E o “acaso” também não foi seguramente, porque... o que é o acaso? Nada!
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Duas palavrinhas, por fim, sobre uma quinta PROVA a favor da existência de DEUS: trata-se da chamada PROVA ontológica, traduzida num mero exercício intelectual e desenhada por Anselmo de Cantuária.
De uma forma simples: se o homem concebe DEUS, o ser perfeito, ele tem de existir, porque, se não existisse, tinha uma imperfeição: não existia.
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Parte-se da palavra DEUS. Esta palavra vai de encontro a um ser de tal ordem que não nos é possível conceber outro maior. Ora, um ser que existe no espírito e na realidade é maior do que um ser que existe apenas no espírito. E, portanto, visto que a noção de DEUS implica que ele seja o maior de todos, torna-se necessário que exista na realidade.
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A crítica que se aponta a esta PROVA é a seguinte: o ser humano, um ser imperfeito, pode produzir mentalmente o perfeito, sem que o mesmo exista a não ser no pensamento.
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Se nós ficcionarmos, como Paul Henle, a existência de um ser chamado Nec, é-nos possível supor a sua existência necessária sem que isso implique a sua real existência.
Ou seja, é possível PROVAR, a priori, dentro do pensamento, todas as existências, mas estas serão meramente pensadas, e não genuínas, salvo se for possível unir pensamento e ser.
Pensamento e ser são diferentes.
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Mas...
Parafraseando Hegel, os que repetem sem cessar que pensamento e ser são diferentes deviam dar por adquirido que isso não é desconhecido dos filósofos.
Não pode haver conhecimento mais trivial do que esse.
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O problema é que – e atenção: vai sair complicação! -, o problema é que, dizia, pensamento e ser só estão separados no plano do finito, não podem estar separados no plano do infinito.
Ora, o finito opõe-se a si próprio, não é subsistente por si mesmo, havendo que superá-lo passando-se ao plano do infinito onde aquele finito está contido.
E eis, finalmente, o conceito que não pode, sem absurdo, deixar de existir, e que tem a existência como predicado: o conceito de infinito ou, se quisermos, de DEUS, que une pensamento e ser.
...
E vimos, de uma forma leve, as cinco PROVAS que considero dignas de registo a favor da existência de DEUS.
...
Já a favor da inexistência de DEUS, a única PROVA que me parece ter algum valor reduz-se a uma palavra: o mal, o mal na Terra.
...
Por todo o lado campeia a crueldade humana e o sofrimento causado pela miséria, pela doença, pelos desastres naturais.
Daqui resulta o seguinte: ou DEUS quer e não pode evitar o mal (e nesse caso não é omnipotente) ou DEUS pode e não quer evitar o mal (e nesse caso não é bom).
Bem...
Isso interessa-nos pouco, porque já definimos DEUS e da sua noção não faz parte que ele seja necessariamente bom e omnipotente.
...
Mas vou mais longe: um DEUS bom teria de criar o mal e não poderia eliminá-lo.
Porquê?
Primeira razão: DEUS, para ser bom, teria sempre de dar valor à vida humana, criando homens livres e capazes. Mas para isso teria de permitir que os homens, na sua liberdade, pudessem optar entre o bem e o mal. Ou seja: teria de criar o bem e o mal.
Segunda razão: Se não existisse o mal, o mundo seria muito aborrecido, os seres humanos viveriam acometidos pela indiferença e não haveria heroísmo, solidariedade, compaixão, etc..
Terceira razão: Há muitos, muitos males, que surgem por bem. Recordando Francisco de Sales, a obra da Providência é, aos olhos de muitos, como certos bordados: vistos pelo avesso são um amontoado desconexo de linhas e pontos; vistos pelo direito são, por vezes, autênticas maravilhas.
...
Sumariadas e levemente analisadas cinco PROVAS a favor da existência de DEUS e uma PROVA a favor da sua inexistência, é altura de fazermos um BALANÇO.
...
Há poucos anos, o jornalista Thomas Vasek abalançou-se a fazer esse BALANÇO socorrendo-se da teoria matemática.
Concretamente, o que fez ele?
Aplicando a fórmula do matemático inglês Thomas Bayes que permite calcular a probabilidade de um acontecimento em função da realização de outro e determinar a probabilidade das causas de um acontecimento através dos efeitos observados, Thomas Vasek decompôs o seu universo de estudo em cinco campos de índices - nascimento do cosmos, ordem cósmica, evolução da vida sob todas as suas formas, existência do mal na Terra, experiências espirituais - e CALCULOU que Deus tem 62% de probabilidades de existir.
62%!
...
E notem: o mal na Terra teve muita, muita influência neste resultado.
Se a noção de Deus fosse a que adoptamos, e da qual não faz parte que ele seja BOM (o que não significa que seja necessariamente MAU), se a noção de Deus fosse a que adoptamos, dizia, a probabilidade matemática da sua existência estaria seguramente muito acima dos 90%.
...
Mas não relevemos esta experiência. Façamos nós o nosso próprio BALANÇO.
E perguntemo-nos...
Será que a prova cosmológica, a prova teleológica, a prova moral, a prova da iluminação divina e a prova ontológica, enfim, as cinco provas de que falamos a favor da existência de Deus, será que estas provas, dizia, constituem, no seu conjunto, a PROVA-GLOBAL de que DEUS existe?
Por outras palavras: Será que, à luz desta PROVA-GLOBAL, é possível afirmar que DEUS existe com um grau de evidência que exclua a DÚVIDA RAZOÁVEL?
Pela minha parte, muito francamente, julgo que SIM.
...
E decomponho esta minha conclusão em DUAS FRASES, com as quais termino a minha intervenção.
...
Entre os mistérios que se tornam mais enigmáticos à medida que neles meditamos, persistirá sempre a CERTEZA ABSOLUTA de estarmos perante um poder infinito do qual procedem todas as coisas.
Esse poder infinito é – COM UM GRAU DE EVIDÊNCIA QUE EXCLUI A DÚVIDA RAZOÁVEL - o Ser de quem os demais seres recebem a existência, o Ser primeiro, fora do espaço e fora do tempo, espírito dotado de entendimento e de vontade, que é eterno, imutável e que existe por si mesmo, não tendo sido criado por nada.
Afirmo, pois, que DEUS existe. E afirmo que DEUS criou a vossa espada.
Obrigado.

21 comentários:

  1. Magnífico como sempre, Dr. Garrett.

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  2. Asssombroso, assombroso.Se alguém tiver video da conferencia mande-o para o www.godtube.com, assombroso

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  3. Não há vídeo, só som. Se alguém souber passá-lo para esta plataforma...

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  4. Uma vez mais o meu sobrinho, partilhou a sua sabedoria o que demonstra uma uma inteligente, compreençao dos seue deveres.

    Aceita um bom abraço do teu, Luis Roseira

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  5. Dona Madalena de Vilhena7 de novembro de 2009 às 16:12

    Uma vez mais o meu pai e irmão e primo e tio torna fácil o que é dificil.. e isto é pouco, ponham-o a falar do cerebro e até se arrepiam porque entra no vosso .

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  6. Dom Saraiva de Lencastre7 de novembro de 2009 às 16:21

    Meu avô. gostei daquele deus do teu sermão porwue serve para todas as religiões que falam num criador de tudo.. mas não gostei que o objecto escolhido tivesse sido a espada, podia ser o copo ou colar ou assim.

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  7. O G.A.P. VAI PUBLICAR NESTE SITIO TODAS AS PALESTRAS? É BOM QUE SIM, É UMA MANEIRA DE SE LER COM CALMA. OBRIGADA AOS ORGANIZADORES. MAFALDA

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  8. excelente e gostava de ouvir o palestrante do gal a falar de ovnis. o discurso dele e pensado.

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  9. Se entendi bem este deus dá para as religiões todas Fixe

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  10. Desde que nao façam mais cruzadas inquisiçoes ta tudo fixe Falar so nao faz mal a ninguem

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  11. concordo cruzadas não mais, não senhora!

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  12. e inquisições leva assento!

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  13. Boa sorte para o Grupo de arqueologia Porto nestas organizações. Oxalá continue a opostar em palestrantes bons e a por no blog os textos dos palestrantes.

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  14. Li o discurso com qualidade e ja me tinham falado na FLUP .Só tenho 1 sugestão a fazer: o sublinhado fica mal, tirem as linhas por baixo das palavras. Continuem assim

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  15. Mas não entendo porque só falam reis e raínhas nestes comentarios. As pessoas ai, ai, ai...

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  16. Meu caro Dr. Francisco de Almeida Garrett:

    Oh, que saudades, meu caro amigo, me despertou este fantástico texto, da sua autoria, acerca da História de uma Espada romana, aparecida por entre as fráguas da Arqueologia. Saudades das nossas gloriosas tertúlias de Filosofia Política, quando, às vezes, as fanecas mal cozinhadas de restaurantes mal escolhidos abrasavam as paredes delicadas do estômago hipocondríaco do nosso predilecto Professor.
    Deitei-me ao seu texto como gato a bofe, esvaziando-o de um trago, na sede da sua escrita.
    Começo por sublinhar a modéstia com que abriu a conferência, compreensível por vir de quem, depois de nascer bem, foi muito bem-educado, mas que me levou a temer que quem ali estivesse e o não conhecesse pudesse pensar que o Senhor era um emergente naquelas matérias, e não o verdadeiro filósofo, conceituado criminalista e escritor de rara pena que de facto é. Estou certo, porém de que, com o desenrolar da exposição, a verdade veio ao de cima.
    Compreendo que, sendo um homem de fé como é, e da nossa Fé, ali tivesse referido que a todos se iria dirigir, não nessa qualidade, mas na de ser racional e objectivo. Era o mínimo que ali se lhe podia pedir.
    Fiquei encantado com aquele neo-conceito de “arqueologia do divino”, fascinante nas potencialidades que despertou na minha homóloga imaginação criadora de escritor.
    Ainda há pouco tempo lera e aprendera um conceito novo igualmente belo, o de “alquimia da natureza”, que o autor usava para referir o toque de Midas com que Deus, em vez de transformar a natureza em ouro, transforma a cada passo a natureza noutra natureza.
    Apaixonou-me igualmente o novíssimo conceito de “história invisível das coisas”, que nos pode reportar a figurações inacreditáveis.
    Sublinho a forma sustentada como discorreu ao longo da conferência, sem deixar para trás alinhavos por cortar ou petições de princípio que, depois, se tenha esquecido de provar.
    Por falar em “provar”, felicíssima a sua definição de “prova” e feliz a sua definição de “Deus”! Felicíssima a primeira, porque não poderia nunca ter encontrado outra tão adequada como essa, apenas feliz a segunda, porque não entendi por que razão não pôde a Bondade ser um ingrediente do Deus da sua prédica.
    Senti alguma assintonia no seu conceito de Mal.
    De facto, para mim, o Mal não existe, limita-se a ser a ausência do Bem. A escuridão não existe, existe sim é a ausência de Luz. Como a noite, o feio e o frio também não existem, existem sim as ausências do dia, da beleza e do calor. Assim, o Mal também não existe, existe sim a clangorosa e nigérrima ausência de Deus em lugares de perdição, os lugares onde Deus não é aceite, amado e servido como deve ser.
    Apercebi-me de que o seu dom de escrita se enriqueceu muito, desde o último texto que lhe lera.
    O argumento teleológico serve de pano de fundo ao meu pensamento desde os meus anos de menino, pelo que, apesar de ter explanado muito bem todos os outros, este me basta para fortalecer a Fé que, por graça, Deus me deu.
    Um conselho, passe a livro (opúsculo, ensaio) o texto desta conferência e publique-o, que muito útil pode ser a tanta cabecinha que por aí anda, mergulhada na fossa do laicismo.
    Possa ele ser uma Espada que erradique os erros do presente, ainda que a sua história se perca no lado de lá do Big Bang.
    Um abraço imenso do seu amigo,
    Augusto Canedo

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  17. Meu caro Rei Artur, espero que o seu temor das Cruzadas e das Inquisições esteja bem fundamentado. Quer dizer, que não resulte só de ter lido o 24 Horas.
    O mesmo digo si, Dom Romeu.

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  18. O que eu pretendia escrever na última linha do meu comentário anterior era "O mesmo digo a si, Dom Romeu".
    Desculpem-me o lapso, por favor.

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  19. funcionária do Sr. Dr. Canedo13 de novembro de 2009 às 18:35

    APRESENTAR-SE-Á SEGUIDAMENTE UM COMENTÁRIO EXPOSTO NESTE BLOG - MAS EM PÁGINA INDEVIDA - POR ALGUÉM QUE SE INTITULA "NA SENDA DA DIVINDADE". COMPULSADA A BOA FORMAÇÃO MORAL QUE O SEU AUTOR REVELA BEM COMO O EXTRAORDINÁRIO INTERESSE QUE TAL COMENTÁRIO SUSCITA AOS OLHOS DE QUEM MEDITA, O SENHOR DOUTOR AUGUSTO CANEDO COMENTÁLO-Á ASSIM QUE POSSÍVEL.

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  20. Não me vou referir aos comentários porque o que aqui me parece em apreciação é o teor da palestra do Dr. Almeida Garrett a que, infelizmente, não assisti – as motivações de tal desventura prende-se com certas amizades – mas tive a grata oportunidade de aqui descobrir.
    E confesso que a li três vezes, e em todas a mesma estupefacção, júbilo e um inexplicável e talvez incómodo rejuvenescimento
    - Estou estupefacto, feliz e não me canso de a ler.
    Explicar, com clareza, não consigo; falta o verbo, a eloquência, que o autor tão generosamente patenteia. Mas cada um é quem é, e não me custa nada assumir o meu tamanho.
    Adiante. Nunca me fora dado a ver caminho tão simples, tão óbvio, tão linear, que me levasse até Deus, à certeza da Sua existência. Apenas pequenos e simples episódios, espalhados por anos de vida sofrida, me asseguravam da Sua realidade. Mas cheguei a duvidar porque em alturas em que nada mais tinha, além dos ossos, do que os vestem e alguma inteligência – cada vez mais adelgaçada -, quando não tinha mais nada, dizia, sobrava-me “apenas” Ele. E, atendendo às circunstâncias, muitas dessas vezes cheguei a concluir que essa fé era, tão só, um expediente fornecido pelo que me restava de razão para que me sentisse menos só. Uma espécie de anti-depressivo.
    E depois, nasci e cresci com a autenticidade de algo que o Dr. Garrett derrubou com um sopro: Do que me sobra da memória, vivi sempre – assim me ensinaram – na certeza de que é com o coração e não com a razão que se chega a Deus.
    Almeida Garrett esfrangalhou esse esteio da minha formação, demonstrando aqui, sem dúvidas, que se pode atalhar pelo trilho da razão. De resto é muito mais rápido, lógico e, porque não, cómodo?
    Mas o melhor que senti, olhando por essa janela agora aberta, foi um intrincado conforto.
    Mais tarde tentarei saber o porquê desta sensação tão boa… Percebi que nas horas em que me sinto abandonado, é Deus a permitir-me a maior das provas de liberdade. E tão absoluta que, naturalmente, só Ele era capaz.
    Estou pasmado com este Dr. Garrett. Quem lhe terá soprado o caminho?
    Espero que tornem públicas, com antecipação suficiente, novas apresentações, orais ou escritas, deste senhor.
    Ao lê-lo, já se me foram as maleitas, algumas que me afligiam há anos demais.
    Valeu a pena passar por aqui.
    À fé de quem sou.

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  21. Caríssimo NA SENDA DA DIVINDADE:

    Depois de ter lido o fantástico naco de prosa do nosso amigo, creio que comum, Dr. Francisco de Almeida Garrett, e de, por baixo, ter feito um longo comentário – porém curto, em função da dimensão da obra – acabei felizmente por também ler este seu comentário, que não consegui igualmente deixar de presentear com algumas alusões.
    Sou também um homem de fé, nascido e criado na Santíssima Fé Católica, embora muito pouco ainda tenha feito por Quem me concedeu a graça de nEle acreditar. Na realidade, são muitas as horas do dia em que me esqueço, ou simplesmente me não lembro, de agradecer ao Pai da Criação tudo o que fez por mim e tudo aquilo que, de bom ou de mau, me tem acontecido.
    De bom ou de mau, sim, porque, estar com Deus, é esta simples coisa difícil de nos abandonarmos nas Suas mãos, de aceitarmos Tudo o que vier dele, de bom ou de mau, porque dele, de bem e de mau, Tudo acontece para o Bem.
    Vem isto a propósito da sua pública confissão dos sobressaltos que a sua fé já sentiu, aqui e acolá, mercê das adversidades que, sempre por via de Deus, já lhe aconteceram.
    Gostaria de lhe referir que só duvida quem crê, e que a fé não é uma estrada plana e sem buracos, em direcção ao infinito, mas sim um interlinhado, em direcção a Deus. E um interlinhado, meu caro NA SENDA DA DIVINDADE, tem, como sabe, espaços brancos por entre os espaços negros do percurso.
    Li há dias, numa alocução de um escritor, que, quando uma certa filha, ao entrar numa cozinha, se impressionou por ver, em cima do aparador ,os ingredientes com que a mãe se preparava para fazer um bolo – margarina, claras, gemas, leite, farinha, entre outros – tendo referido que tanta mixórdia lhe causava vómitos, a mãe lhe terá respondido que, na verdade, acidentes com tão mau aspecto como aqueles, que lhe davam vómitos, é que, no seu conjunto, formavam os deliciosos bolos que ela tanto costumava apreciar.
    Se na sua vida ocorreram acidentes de pior aspecto, meu caro amigo, espere para ver o delicioso bolo que o Criador se prepara para fazer com eles.
    Contente fiquei pelo facto de as provas racionais que o Dr. Francisco de Almeida Garrett lhe forneceu lhe terem reforçado a fé. Mas continue a treinar a sua fé, até porque é mais fácil chegar desta à razão que da razão à fé.
    A razão é uma técnica da inteligência, a fé é um dom de Deus.
    Mas a possibilidade de provar a existência de Deus pela razão é um mandamento da Santa Madre Igreja, bem expresso no Concílio Vaticano II.

    O seu novo amigo, de há quinhentos mil milhões de anos pela Lei de Garrett,

    Augusto Canedo

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