quarta-feira, 30 de junho de 2010

CABOUQUEIROS DA ARQUEOLOGIA*


Conhecido pela sua persistência e trabalho, o Padre João Parente tem pronta a ser publicada uma obra de quatro volumes com “500 a 600 páginas cada” que contam a história da Idade Média no distrito de Vila Real. Um trabalho de recolha de documentos diversos que levou quase uma década a aprontar.
Uma obra imprescindível para o distrito mas que ainda não saiu da “prateleira” por falta de apoios. É, sem dúvida, uma obra monumental que deve figurar, pelo menos, nas estantes de todas as bibliotecas do distrito. A ela, o Padre João Parente dedicou 10 anos da sua vida, muitas vezes com sacrifícios pessoais. Durante este período, o sacerdote vila-realense reuniu mais de mil documentos forais e outros da Idade Média de todas as localidades do distrito, “até as mais remotas”.

São mais de mil anos de documentos, “desde a época dos visigodos e das invasões dos bárbaros até às Descobertas”, do ano 500 a 1500. Ao todo são cerca de duas mil páginas, divididas por quatro volumes que por sua vez estão organizados em duas partes. “A primeira parte é sobre documentos foraleiros, doações, vendas, trocas e outros do distrito de Vila Real que datam da Idade Média, e a segunda parte, que corresponde ao último volume, é dedicado a monumentos da Era Medieval”, explicou.

Tudo começou com uma visita ao Arquivo Distrital de Vila Real. “A certa altura, estava a fazer mais uma edição do Roteiro Arqueológico e Artístico do Concelho de Vila Real, e caiu-me nas mãos o livro ‘Portugaliae Monumenta Historica’ do Alexandre Herculano”, recorda. Nas suas páginas encontrou o foral da sua aldeia, São Bento, de D. Sancho I. “Fiquei pasmado e comecei a ver outros, não sabia da existência de tais documentos”, revelou. Encontrou outros documentos, na sua maioria em latim, transcritos por Alexandre Herculano, e depois não parou mais.

As suas investigações obrigaram-no muitas vezes a ter de se deslocar à Torre do Tombo, em Lisboa, onde encontrou muitos dos documentos que fazem parte da sua compilação. “De tempos a tempos, ia lá passar uma semanada e encomendava 100 ou 200 documentos para eles me mandarem”, conta o Padre Joao Parente, acrescentando que mal acabava de analisar uma remessa, tornava a voltar a Lisboa procurar mais. Outros documentos foram encontrados em Braga, a cuja Diocese Vila Real pertenceu.
No início não fazia ideia do que ia fazer com as suas “descobertas” e com os muitos frutos das suas investigações.

“Quando comecei a dar conta do que estava a fazer, pensei que já não podia voltar atrás e que ia fazer um trabalho com todo o material, custasse o que custasse”, salienta. Com 78 anos, passou muitas horas no computador o que, acredita, acabou por prejudicar a sua saúde. No entanto, o seu entusiasmo é bem visível em cada palavra que pronuncia. “Penso pôr nas mãos dos transmontanos do distrito de Vila Real, que queiram saber mais ou fazer um trabalho sobre as suas aldeias ou localidades, uma obra com grande valor”, afirma, convicto. E é, certamente, verdade.

O padre vila-realense descobriu que “não há quase aldeia nenhuma do distrito de Vila Real que não tenha documentos daquela época, algumas têm muitos e outras estão referenciadas e já não existem”. Saber latim foi essencial à prossecução deste trabalho. “Grande parte dos documentos estão em latim e decidi traduzi-los para os tornar acessíveis a qualquer pessoa”, conta. A grande maioria dos documentos são, segundo o Padre Parente, forais ou foraleiros, sendo que o maior documento que lhe passou pelas mãos foram as Inquirições de Afonso III, que “tem 200 a 300 páginas”.

O sacerdote lembra que houve um padre de Borbela que, em 1331, traduziu parte do documento para português medieval e que “agora é outro padre de Vila Real que acaba de o traduzir”. “É admirável como até os pequenos lugares no meio da serra são mencionados nestes documentos”, assevera.
Nem todos os documentos que lhe passaram pela mão foram fáceis de interpretar. “Alguns estavam em bom estado mas outros estavam miseráveis e um ou outro ilegível”, adianta.

Mas depois de feita a recolha, tradução e transcrição de todos estes pedaços de história, o Padre João Parente vê-se perante um dilema: ainda não sabe como vai dar vida a estas páginas. Gostaria de contar com o apoio das autarquias do distrito porque, afinal de contas, esta obra reúne referências a vilas, aldeias e lugares. Admite que é uma obra para estar numa biblioteca e que poucas pessoas a comprarão a título pessoal, dado o seu “peso e volume”, e por ser uma obra de âmbito local. “É um livro com muita utilidade mas, provavelmente, pouca saída”, lamenta.

Neste momento, o Padre João Parente tem-se dedicado à revisão dos textos para corrigir eventuais gralhas. “É natural que tenha algumas porque são quase duas mil páginas”, assume. Sem ajuda de ninguém, o sacerdote “atirou-se” de corpo e alma a esta jornada que, por ser solitária, terá dado espaço a algumas falhas. “O computador não corrige o latim nem o português medieval e é, por si só, um trabalho difícil de coordenar”, revela. Mas é, sem sombra de dúvidas, um trabalho de grande valor e que merece ganhar forma na sua plenitude e que deve ser publicada e colocada ao dispor de toda a população.

Arqueologia e numismática

Falar do Padre João Parente é falar em arqueologia e em numismática. Limpou e estudou perto de 40 mil moedas romanas e ele próprio preparou cerca de 15 mil fichas relativas a essas moedas. Este espólio acabou por dar origem ao Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real. “Demorei 30 anos a fazer o catálogo”, assegura o sacerdote, acrescentando que “não importa o tempo que demora, o importante é concluir o trabalho”.

Não sabe se é feitio ou defeito mas quando agarra em algum projecto vai até ao fim. Não fecha os olhos quando lhe surge um desafio pela frente. “Os Cruzeiros da Diocese de Vila Real” é um dos seus livros que prova isso. Identificou mais de 300 cruzeiros espalhados pela região, com fotografias, um trabalho que levou mais de 10 anos. Se alguns livros lhe demoraram décadas a fazer, outros, como o “Roteiro Arqueológico e Artístico do Concelho de Vila Real”, levou-lhe apenas 15 dias.

“Este foi o meu livro que, curiosamente, teve mais sucesso e que me custou menos a fazer”, graceja. Infelizmente, acredita que são poucos os que querem saber dos monumentos e da arqueologia. “Se sabem é sinal que têm que assumir responsabilidades em áreas como a conservação e as pessoas não estão para isso”, lamenta. Ainda faz muitos passeios com os alunos da Universidade Sénior de Vila Real e Alijó é a sua zona preferida do distrito em termos de património arqueológico.

Começou, há anos, a fazer o inventário de arte sacra no distrito. Andou de igreja em igreja, de capela em capela, a tirar fotografias e a preencher fichas para cada obra e peça de arte sacra. Os concelhos de Alijó e Boticas, seguindo a ordem alfabética, foram os primeiros mas ainda não conseguiu dar seguimento ao trabalho. “Se tiver saúde gostava de pegar outra vez nesse trabalho”, revela. Muitas imagens perderam-se nos últimos anos por ignorância e descuido, ainda que inconsciente, das pessoas.

“Felizmente, temos muitas figuras originais e ainda temos na Diocese mais de meia centena de templos com bons exemplos de arte sacra”, afirma.
São trabalhos levados a cabo com pulso e muita perseverança. São pedaços da nossa história que o Padre João Parente se preocupa em preservar e não deixar desaparecer. Se não estas, as gerações futuras irão, com certeza, reconhecer e agradecer o legado um homem que não deixa perder no tempo as heranças de outras épocas.

in Notícias de Vila Real

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